29.05.18 | Notícias

Redução da cláusula penal em contratos – entre a proporcionalidade aritmética e a equidade: reflexões sobre um recente julgamento do STJ

Em 17 de maio de 2018, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.353.927-SP, ocasião na qual adotou o entendimento de que o direito à revisão da penalidade decorrente de cláusula penal não se submete a critérios restritos de proporcionalidade matemática, mas, sim, de equidade.

A cláusula penal, prevista no art. 408 do Código Civil brasileiro, constitui, conforme clássica lição de Pontes de Miranda, uma espécie de promessa condicional de prestação que o devedor promete, como pena a que se submete, para o caso de não cumprir a obrigação, não cumpri-la satisfatoriamente ou para o caso de se dar algum fato, concernente ao negócio jurídico, ou não se dar.

Conforme a doutrina contemporânea, a cláusula penal é multifuncional, não estando adstrita a estimular o adimplemento e dissuadir o devedor do inadimplemento. Ela pode desempenhar, também, função ressarcitória ou de prefixação do dano, punitiva e moratória.

Por outro lado, a cláusula penal pode ser estipulada não somente diante do inadimplemento total, hipótese em que ela tem caráter compensatório, substituindo a indenização por inadimplemento. A cláusula penal também poderá ter incidência diante do inadimplemento insatisfatório (ou adimplemento ruim), do inadimplemento parcial e do inadimplemento de cláusula contratual especial.

O Código Civil brasileiro, no seu artigo 413, estabelece que 'a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio'. O devedor, portanto, tem um direito subjetivo de ver reduzida a cláusula penal quando a obrigação principal houver sido cumprida em parte ou quando a cláusula penal se mostrar excessiva diante da natureza e da finalidade do negócio jurídico.

O artigo 413 do Código Civil trata de uma cláusula geral, a qual, conforme Judith Martins-Costa, 'exprime as diretrizes da concretitude, da equidade e da socialidade no campo operativo do instituto da cláusula penal, constituindo em mais uma manifestação, no Direito das Obrigações, da diretriz constitucional da solidariedade social. O seu telos é o de evitar que um instrumento útil, em si mesmo legítimo, como a cláusula penal, se transforme em instrumento de ilegítimo exercício do maior poder contratual, ou via para o enriquecimento injustificado, ou para a consagração da injustiça contratual'[1].

No entanto, a mesma doutrina é enfática ao afirmar que a primeira parte do art. 413 do Código Civil trabalha com um critério de proporcionalidade, que não é, porém, aritmética, mas axiológica, 'levando-se em conta a importância, maior ou menor, do que foi prestado, à vista do efetivo interesse denotado pela concreta economia contratual, a atipicidade do negócio e a sua função', razão pela qual não estaria, aí, autorizado o arbítrio judicial, mas um dever do intérprete de tornar concreto o comando da lei[2]. O problema fulcral, no ponto, é estabelecer critérios intersubjetivos suficientemente capazes de controlar o arbítrio em tais situações. A segurança da proporcionalidade aritmética pode dar espaço para o voluntarismo de uma espécie de proporcionalidade axiológica. Eis a questão que merece ser destacada a partir do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça.

Para o Ministro Luis Felipe Salomão, a redução judicial da cláusula penal deve observar o critério da equidade, que não se confunde com a imposição de proporcionalidade matemática. Desse modo, entendeu que o critério de equidade não pode ficar adstrito a uma espécie de cálculo matemática que levaria em conta o quanto não foi cumprido do contrato.

Pela ideia corrente do que Salomão chamou de 'proporcionalidade matemática', um contrato de locação em shopping center com 24 meses de duração, em que estipulada uma cláusula penal de 6 meses de aluguel para o caso de descumprimento, autorizaria que, com a devolução do imóvel após 12 meses de contrato, a cláusula penal fosse reduzida pela metade. Nada diferente daquilo que, em outro momento, é defendido pela já citada professora Judith Martins-Costa, para quem, 'no que concerne à primeira hipótese do art. 413, a redução prevista fixa, como elemento do suporte fático, o fato de ter sido parcialmente cumprida a obrigação, tendo a cláusula penal sido estipulada para a inexecução total da obrigação principal. Aí se justificará a regra da redutibilidade proporcional, que está no telos do art. 413 (por exemplo: o devedor devia prestar 100, prestou 50: a cláusula penal, que visava garantira entrega de 100 e penalizar o inadimplemento, correspondente à prestação de zero, é reduzida à metade pela entrega de 50)'.

Porém, para o ministro Luis Felipe Salomão, ao tratar do caso de locação em Shopping Center, outros fatores deveriam ser levados em consideração, valendo-se, o julgador, portanto, de critérios de equidade. Nesse sentido, conforme noticiado no site do STJ, 'o ministro também destacou que a existência de lojas desocupadas em um shopping center prejudica o sucesso de todo o empreendimento comercial, com a possibilidade de consequências econômicas em virtude de inexecução dos contratos locatícios'. Desse modo, concluiu que 'no contexto dos autos – a devolução de loja localizada em shopping center antes do decurso do prazo de 36 meses para a conclusão do contrato de locação, cumprido o lapso de 14 meses –, a redução da cláusula penal para quatro aluguéis revela-se mais condizente com o critério da equidade, dadas as peculiaridades do caso concreto'.

O problema todo reside em saber quais seriam os critérios de equidade e como controlar a fundamentação da decisão judicial em tais casos. Referido parâmetro é muito menos seguros que os critérios aritméticos, com os quais bastaria fazer um cálculo dividindo o tempo do contrato pelo valor de cláusula penal, a fim de se chegar ao valor mensal correspondente à penalidade. Desse modo, bastaria multiplicá-lo pelo tempo restante de contrato, obtendo-se, assim, o montante devido pelo descumprimento parcial do contrato.

[1] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Volume V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.458.

[2] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Volume V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.461.


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